O Aristóteles de Olavo (Jeffrey Nyquist – 30 de novembro de 2022)
O Aristóteles de Olavo (Jeffrey Nyquist – 30 de novembro de 2022)
"As pessoas chegam a essa condição [isto é, ignorância] por culpa própria, pela frouxidão de suas vidas; ou seja, tornam-se injustas ou devassas ao agir de forma desonesta ou ao gastarem seu tempo em bebedeiras e outras formas de dissipação; pois, em toda esfera da conduta, as pessoas desenvolvem qualidades correspondentes às atividades que praticam."
— Aristóteles
Platão e Aristóteles foram filósofos da Antiguidade Clássica. Aqueles que conseguem ler esses antigos pensadores no grego original estão mais bem preparados para compreender os fundamentos da arte e da ciência. Compreender Platão e Aristóteles é possuir uma vantagem intelectual decisiva em todas as formas de discurso. O valor dos antigos é difícil de explicar à mente moderna ressequida — que muitas vezes é incapaz de situar os fatos em seu devido contexto. A vida moderna é muito agitada, muito distraída. O homem moderno está preso ao ciclo das notícias, incapaz de sintetizar ou unificar seu conhecimento. A antiga ciência de ver, pesar e ordenar foi, em grande parte, perdida para nós. Um pensador moderno com acesso aos antigos, porém, é como um homem que olha do alto de uma montanha. Aqueles que nada sabem dos antigos, com suas predileções jornalísticas, olham apenas do sopé da colina. Nem sequer lhes ocorre que há uma montanha a ser escalada.
Ao contrário de seus críticos jornalísticos, o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho é alguém que escalou essa montanha.
Olavo aprendeu grego. Estudou Aristóteles e Platão. Quando o conheci pessoalmente, anos atrás, sua originalidade e habilidade como pensador ficaram evidentes desde nossa primeira conversa. Seus insights eram esclarecedores. Suas polêmicas, cheias de vivacidade. Sua mente estava sempre em busca de respostas. Em séculos futuros, seu nome será lembrado, enquanto os “sábios famosos e bem nutridos” de nosso tempo serão esquecidos.
Agora, após a tradução para o inglês de seu livro sobre Maquiavel — resenhado neste site há um ano, sob o título Olavo’s Machiavelli — outro de seus livros foi também traduzido: Aristotle in a New Perspective: Introduction to the Theory of the Four Discourses (Aristóteles numa Nova Perspectiva: Introdução à Teoria dos Quatro Discursos). Trata-se de uma obra que contribui para nossa compreensão da teoria aristotélica do discurso como um processo que extrai unidade da diversidade, informando todas as especulações “lógicas, físicas, metafísicas e éticas de Aristóteles… como a marca inconfundível de seu estilo de pensamento”.
Para leitores não familiarizados com Aristóteles, vale uma breve nota biográfica.
Aristóteles nasceu na cidade grega de Estagira, na antiga Macedônia. Seu pai era médico da corte do rei da Macedônia. O ano de nascimento de Aristóteles foi 384 a.C., quinze anos após a morte do famoso filósofo Sócrates, que foi julgado e sentenciado a beber uma infusão mortal de cicuta por, supostamente, corromper a juventude de Atenas e por introduzir deuses estranhos à cidade. Aristóteles foi aluno de Platão, um dos jovens que Sócrates teria corrompido (ainda que se possa argumentar que Platão corrompeu Sócrates ao retratá-lo de maneira diferente do que ele realmente foi).
Nota: Acredito que os diálogos socráticos de Platão corromperam a nossa imagem de Sócrates. Isso se torna evidente quando Platão sublinha a superioridade intelectual de Sócrates acima de sua sinceridade, deixando-nos com a chamada “ironia socrática”. Em um ensaio intitulado “Reconsiderando a ironia socrática”, Melissa Lane escreveu: “Que Sócrates é irônico é algo que muitas pessoas, mesmo conhecendo pouco sobre ele, acreditam. Se essa crença está enraizada em textos antigos, é provável que estejam pensando nos retratos de Platão e Aristóteles, e não nos de Aristófanes e Xenofonte…”. Lane prossegue dizendo que “nem Xenofonte nem Aristófanes jamais usaram, a respeito de Sócrates, a palavra grega eirôneia, que é o único termo grego (às vezes) traduzível por ‘ironia’. Em contraste, Platão e Aristóteles ambos empregam essa palavra e seus cognatos ao se referirem a Sócrates… e isso teve papel central na formação da tradição da ‘ironia socrática’.” Lane cita o texto de Aristóteles, que demonstra que, ao utilizar o termo eirôneia, Aristóteles (ao menos) não queria dizer “ironia” no sentido moderno. Aristóteles escreveu: “A forma como os autodepreciadores (eirônes) se rebaixam faz com que seu caráter pareça mais atraente, pois aparentam fazê-lo por desejo de evitar a pomposidade, e não por interesse próprio; principalmente, são as coisas que conferem reputação que essas pessoas também rejeitam, como Sócrates costumava fazer.” (Ética a Nicômaco, 1127b23-26, tradução de Rowe e Broadie).
Observe-se: o estudo de Lane mostra que uma leitura sutilmente equivocada da língua grega distorceu nosso entendimento dos diálogos socráticos de Platão. Devemos também lembrar que Sócrates era tão pobre que frequentemente andava descalço. Ele precisava tomar cuidado para que suas perguntas incômodas não fossem interpretadas como insultos. É isso que explica sua abordagem autodepreciativa. As formas polidas de tratamento usadas por Sócrates dificilmente poderiam ter sido irônicas. Seus interlocutores geralmente não eram estúpidos, e teriam se sentido insultados pela ironia. Sócrates, portanto, recorria a fórmulas amigáveis e elogiosas de tratamento ao menos para demonstrar respeito e boas intenções. Os leitores modernos têm dificuldade em ver Sócrates como ele realmente era. Veem nele um grande homem, em vez do pobre filho de um escultor, com uma esposa de gênio difícil. Será que a esposa de Sócrates o via como “irônico”? Para o bem dele, esperamos que não — pois isso não teria acabado bem. E um homem humilhado em casa inevitavelmente carrega esse estado de espírito para as ruas. Sócrates era, de fato, um homem humilde e sincero. Ele não tinha motivo para se vangloriar de coisa alguma. A ironia, se viesse de sua boca, soaria como insolência — e insolência é característica da arrogância (que em nada se manifesta nesse homem). A filóloga Eleanor Dickey descobriu que, nos diálogos de Platão, Sócrates utilizava termos amigáveis de tratamento justamente para obter melhor atenção de seus interlocutores. Essa abordagem não era condescendente. Sócrates não estava fazendo jogos de humilhação irônica. Isso não significa negar que haja momentos de ironia nos diálogos socráticos, como nas passagens em que elogia Eutífron e Hípias (que são, de fato, bufões intelectuais). Lane questiona, contudo, se esses elogios são realmente irônicos. Ela argumenta que Sócrates não os ridicularizava; ele tentava extrair deles uma confissão que fosse instrutiva para os ouvintes. A característica marcante de Sócrates, portanto, era sua sinceridade na busca da verdade. Ele nunca falava com cinismo, mas sempre argumentava conforme a razão. De fato, é o nosso cinismo que faz Sócrates parecer “irônico”. Para os interessados no ensaio de Lane, veja The Cambridge Companion to Socrates, pp. 239-241.
É tese de Olavo que a Poética, a Retórica, a Dialética e a Analítica de Aristóteles não constituem quatro ciências separadas; ao contrário, esses quatro campos formam o que Olavo chama de “bonecas russas” (ou matrioskas) — ou, como outros diriam, um sistema para a compreensão da cultura intelectual, situando razão e imaginação em seus devidos contextos e conduzindo-nos ao ápice da reflexão filosófica: o conhecimento sobre o conhecimento. Nos quatro discursos aristotélicos, Olavo também encontrou um esquema para rastrear a evolução da cultura, por meio de quatro estágios correspondentes a esses quatro tipos de discurso: poético, retórico, dialético e analítico.
Quando Aristóteles tinha dezoito anos, foi enviado para estudar na Academia de Platão, em Atenas, onde permaneceu por vinte anos, tornando-se professor de retórica e de diálogo. Quando Platão morreu e Aristóteles não foi nomeado diretor da Academia, ele deixou Atenas para se dedicar a outras atividades, entre elas ser tutor de Alexandre (posteriormente, Alexandre, o Grande), filho do rei Filipe II da Macedônia. Aristóteles retornou a Atenas após a vitória de Filipe sobre Tebas e Atenas na Batalha de Queronéia (338 a.C.). Em 335 a.C., Aristóteles fundou sua própria escola em Atenas, o Liceu, que rivalizava com a Academia de Platão. A filosofia de Aristóteles diferia da de seu mestre: ele não aceitava a teoria das formas de Platão, tampouco apreciava os aspectos comunistas da filosofia política platônica. Quando Alexandre, o Grande, morreu, e os atenienses se voltaram contra a Macedônia, Aristóteles foi acusado de impiedade (em razão de sua ligação com a corte de Alexandre). Em vez de beber cicuta como Sócrates, Aristóteles fugiu de Atenas, “para que os atenienses não pecassem duas vezes contra a filosofia.” Nos séculos seguintes, Aristóteles tornou-se o filósofo mais influente da história. Sua reputação foi atacada no século XVII, com pensadores modernos às vezes o considerando um inimigo.
Na contínua batalha de ideias, Olavo via a importância de Aristóteles porque Aristóteles detinha as chaves de muitos assuntos – da ética e política à poesia e retórica. Alguns leitores podem se perguntar qual seria o valor de um filósofo antigo quando a modernidade já teria superado a antiguidade em conhecimento; no entanto, ao observarmos a erosão do nosso discurso, e os absurdos que passam por “ciência” de todos os lados, vê-se claramente que a modernidade tomou um rumo errado. Perdemos a própria linguagem do raciocínio nobre porque tomamos atalhos demais, acumulando erro sobre erro (mesmo quando chamamos isso de “ciência”). Em vez de uma ascensão meditativa rumo à Noesis ou à verdadeira filosofia, a ciência acadêmica moderna vem descendo para especulações triviais que nos dizem cada vez mais sobre cada vez menos. Como observou Ellis Sandoz, “a razão é o ‘algo’ no homem que experimenta vergonha ao reconhecer sua ignorância ou que resiste [...] à deformação de sua própria existência e da de outros homens por forças destrutivas no campo social.” O homem deve enfrentar sua ignorância ou sofrer deformação por meio de falsos conhecimentos. O homem também deve buscar um contexto adequado para formar as categorias do seu pensamento. Começar com algo pequeno e ir até o cérebro de um mosquito é “mosquificar” a mente e a alma. As grandes questões devem sempre permanecer à vista. Ou, como escreveu Aristóteles no início de sua Metafísica: “A arte surge quando [...] um juízo universal sobre uma classe de objetos é produzido.” Permanecer imerso em trivialidades é não possuir nenhum ponto de partida universal; é, portanto, tornar-se estúpido.
Se nos perdermos nas trivialidades, corremos o risco da desmoralização intelectual. Essa tendência, tão característica do nosso tempo, levou muitos a renunciar à inteligência em favor de estupidezes plausíveis e convenientes. Nesse contexto, foi Dietrich Bonhoeffer quem descobriu famosamente que a estupidez é mais perigosa do que a malícia. Olavo também fez essa descoberta, opondo-se abertamente à desmoralização intelectual e à estupidez de seu país, escrevendo um livro best-seller intitulado O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. Nesse livro, ele abordava um tipo específico de idiota – o “idiota útil”:
A mentalidade comunista [...] é tão ignorante da liberdade de pensamento, submete tão pesadamente a inteligência ao comando partidário, que administra a ideologia do sujeito não pelas intenções e valores que ele professa, mas pela simples e frequentemente paranoica conjectura do benefício político ou público que os partidos [comunistas] [...] possam extrair de suas palavras, ainda que oportunisticamente...
Aqui temos um vislumbre da estupidez do nosso tempo. Trata-se da mais perigosa estupidez da história do mundo. Olavo se opôs à preguiça arrogante e à completa falta de curiosidade que transformaram essa estupidez em um poder quase irresistível – um poder que promete morte e destruição mesmo enquanto estas palavras estão sendo escritas. Olavo acreditava, com Aristóteles, que o remédio para a estupidez perigosa está na verdade superior – no Nous divino ou Fundamento do qual nossa existência emergiu. Foi Aristóteles quem nos advertiu a “não seguir aqueles que nos aconselham a ter pensamentos humanos, já que somos apenas homens [...] mas, ao contrário, a [...] fazer o máximo para viver de acordo com aquilo que há de mais elevado em nós.” Eric Voegelin, um filósofo que compartilhava com Olavo a apreciação por Aristóteles, escreveu:
O desassossego Clássico, especialmente o aristotélico, é distintamente alegre porque o [filosófico] questionamento tem direção; o desassossego é experimentado como o início do evento teofânico no qual o nous se revela como a força ordenadora divina no [...] cosmos em geral; é um convite a perseguir seu significado até a atualização da consciência noética.
A filosofia nos mostra que o homem é mais do que um ser mortal. Ele é um ser inacabado, como observou Voegelin, “movendo-se da imperfeição da morte nesta vida para a perfeição da vida na morte.” O homem participa do divino por meio de seus pensamentos – que podem coincidir com a mente divina ao aderirem à verdade em vez de abraçar a mentira. São as mentiras, de fato, que deformam a existência do homem. À medida que nossos pensamentos se formam em discurso, é melhor que levemos esse discurso à verdade.
Todo discurso, observava Olavo, é “a passagem de uma proposição para outra.” Olavo então acrescentava: “A unidade formal de qualquer discurso depende de sua unidade proposicional, isto é, da disposição das várias partes com vistas à obtenção das conclusões desejadas.” Primeiro, tem-se a premissa e suas pressuposições; depois, os componentes logicamente ou analogicamente conectados do argumento, conferindo unidade proposicional ao todo; em seguida, deve-se provocar uma mudança na opinião daqueles que ouvem esse argumento (geralmente, pela natureza marcante do argumento); e então, claro, deve haver um reconhecimento da credibilidade do argumento. Assim, o discurso é uma passagem do crido ao crível.
O que temos, no discurso de hoje, no entanto, não é uma passagem do que se acredita para o que é crível. Trata-se, antes, de uma passagem do absurdo para o absurdo, deixando idiotas infectados em seu rastro. E isso se confirmou nas críticas que a obra de Olavo recebeu dos chamados “especialistas”. Foi, é claro, tolice da parte dos idiotas tentar medir forças com Olavo a respeito de Aristóteles; pois Olavo conhecia Aristóteles, enquanto seus críticos eram claramente impostores ignorantes. A comédia negra resultante, incluída na tradução inglesa do livro de Olavo, é um prazer de se ler. Como alguém que compreendia os ensinamentos de Aristóteles, e que havia se beneficiado desses ensinamentos, Olavo ridicularizou seus críticos.
Originalmente, o ensaio de Olavo sobre Aristóteles foi enviado para publicação ao Comitê Editorial da revista Ciência Hoje, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Olavo relatou: “Passado quase um ano sem resposta, senti-me livre para publicar o artigo em um livro. No início de outubro de 1994, recebi os primeiros exemplares impecavelmente impressos. Naquele mesmo dia... encontrei um envelope na porta de casa... devolvendo os originais com uma carta de recusa dizendo que, como o artigo tratava de educação em odontologia... eu estaria melhor servido colocando-o numa publicação especializada.”
Odontologia, é claro, é o estudo científico das doenças dos dentes. Intrigado com essa explicação bizarra para a rejeição da revista, Olavo escreveu de volta ao Conselho Editorial: “Nem eu nem Aristóteles jamais suspeitamos dessa inclinação oculta pela odontologia em nossas especulações...” Ele sugeriu que o Conselho Editorial não havia lido seu ensaio sobre Aristóteles, de algum modo confundindo-o com um ensaio sobre odontologia. Eis que o Conselho Editorial respondeu a Olavo dizendo que sua referência à “odontologia” fora um erro de digitação. Garantiram a Olavo que especialistas haviam estudado seu ensaio e o acharam insatisfatório. Como prova, enviaram uma “avaliação crítica” manuscrita de duas páginas e meia. Mas ela era ainda mais desanimadora do que a referência à “odontologia”. A “avaliação crítica” dos especialistas continha, segundo a contagem de Olavo, três erros graves de imprecisão histórica, cinco erros oriundos de desconhecimento da obra de Aristóteles, oito erros cruciais de interpretação dos escritos aristotélicos, três argumentos falaciosos, duas inversões do sentido pretendido por Olavo, três erros de ortografia e dois outros problemas.
Olavo escreveu: “Tudo isso é motivo para enterrar o rosto nas mãos e perguntar em voz alta: Que diabos está acontecendo neste país?”
A crítica de Olavo à “avaliação crítica” do Comitê Editorial é uma verdadeira Dunciad dirigida àqueles cuja pretensão de saber era uma comédia de erros. Como poderia a principal sociedade científica do Brasil enviar-lhe uma confissão tão vergonhosa de ignorância e fraude? De modo sinistro, o Brasil dos anos 1990 estava afligido pela mesma negligência que o filósofo espanhol José Ortega y Gasset atribuíra à vida universitária espanhola pouco antes da Guerra Civil Espanhola.
Neste ponto, é útil referir-se à “Teoria da Estupidez” de Dietrich Bonhoeffer, composta no décimo aniversário da ascensão de Hitler ao poder:
A estupidez é um inimigo do bem mais perigoso do que a malícia. Pode-se protestar contra o mal; ele pode ser exposto e, se necessário, impedido com o uso da força. O mal sempre carrega dentro de si o germe de sua própria subversão, pois deixa nos seres humanos ao menos um sentimento de inquietação. Contra a estupidez estamos indefesos. Nem protestos nem o uso da força conseguem algo aqui; razões caem em ouvidos moucos; fatos que contradizem o preconceito simplesmente não precisam ser acreditados – nesses momentos, o estúpido até se torna crítico – e quando os fatos são irrefutáveis, eles são simplesmente descartados como irrelevantes, como acidentais. Em tudo isso, o estúpido, ao contrário do malicioso, está totalmente satisfeito consigo mesmo e, sendo facilmente irritável, torna-se perigoso ao partir para o ataque. Por essa razão, é necessário mais cautela com ele do que com o malicioso. Jamais tentaremos novamente persuadir o estúpido com argumentos, pois isso é inútil e perigoso.
Aristóteles disse que “todo homem perverso é ignorante quanto ao que deve fazer... e é por causa do erro... que os homens se tornam injustos e, em uma palavra, perversos.” A estupidez, nesse sentido, é responsável pelos maiores males da história. Aristóteles explicou em seus escritos sobre ética que a ignorância não é uma desculpa aceitável. A estupidez gratuita que resulta da ignorância voluntária é uma escolha. Aristóteles escreveu: “As pessoas chegam a essa condição por culpa própria, pela negligência de suas vidas...”. Quando Aristóteles lista as circunstâncias necessárias para a prática de um crime, ele conclui: “Ora, ninguém em seu juízo perfeito poderia ignorar todas essas circunstâncias.” Aristóteles ainda faz a pergunta definitiva, quanto à culpabilidade do homem ignorante: “como ele pode não conhecer a si mesmo?”
Em sua “Teoria da Estupidez”, Bonhoeffer disse que as pessoas às vezes “permitem-se” tornar-se estúpidas. Elas fazem isso, ao que parece, porque querem pertencer a uma multidão ou turba; pois a estupidez é característica da oclocracia (governo da turba). “Ao exame mais atento”, escreveu Bonhoeffer, “torna-se evidente que toda grande irrupção de poder na esfera pública, seja de natureza política ou religiosa, infecta grande parte da humanidade com estupidez.”
As implicações vão ao cerne da obra de Olavo. O que Olavo enfrentou no Brasil, o que Bonhoeffer enfrentou na Alemanha nazista, foram seres humanos que deixaram de lado sua própria humanidade por indolência. E isso é uma escolha definida; pois o homem é, como demonstrou Aristóteles, o “animal racional.” No entanto, aqui temos animais racionais recusando a racionalidade por preguiça. Assim, em última análise, os humanos não são humanos apenas por biologia. Tendo o dom da linguagem e o dom da mente humana, tornar-se homo sapiens é, ainda assim, uma disposição: pensar ou não pensar. Ser fisicamente humano, sem decidir pensar, é preferir o status subumano e tudo o que o acompanha: servilidade abjeta, autodegradação e decrepitude moral.
Bonhoeffer escreveu:
“Pareceria até que isso é virtualmente uma lei sociológica-psicológica. O poder de um precisa da estupidez do outro. O processo em jogo aqui não é que... o intelecto, de repente, atrofiou ou falhou. Em vez disso, parece que, sob o impacto avassalador do poder ascendente, os seres humanos são privados de sua independência interior e, mais ou menos conscientemente, abrem mão de estabelecer uma posição autônoma diante das circunstâncias emergentes. O fato de que a pessoa estúpida muitas vezes é teimosa não deve nos cegar para o fato de que ela não é independente. Em conversa com ela, sente-se virtualmente que não se está lidando de fato com uma pessoa, mas com slogans, chavões e semelhantes que tomaram posse dela.”
Como evitamos ser estúpidos? Como afirmamos nossa humanidade? A teoria de Olavo sobre os quatro discursos de Aristóteles pode nos ajudar a descobrir o bem. Com a razão numa mão e o bem na outra, também podemos aspirar à sabedoria e àquela coisa precária chamada liberdade. Philosophia – φιλοσοφία – significa “amor à sabedoria.” Os métodos filosóficos incluem a poética (representar o bem por meio da imaginação), a retórica (persuadir outros sobre o que é bom), a dialética (encontrar o bem por meio do diálogo) e a analítica (confirmar o bem por meio do silogismo).
Um pouco de filosofia vai longe.
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