Mitologia da internet - o fascínio em torno da creepypasta das backrooms
O que são as backrooms e os chamados liminal spaces (espaços liminares)? E por que esse conceito se tornou um lore viral das creepypastas na internet? — pode-se perguntar. Trata-se de um conceito pós-moderno, criado para satisfazer a necessidade humana de mitos ao mesmo tempo em que as pessoas buscam se apresentar como racionais e lógicas. Pode uma mitologia inteira ser criada a partir de um simples post de forum de internet? O curioso caso das back rooms provou que sim. Postado originalmente no 4chan, esse assunto dominou vários cantos da internet, expandindo-se exponencialmente, a postagem original não foi senão um tronco que gerou tópicos e subtópicos, como se se tratasse de uma proliferação de coelhos, demonstrando como a imaginação humana pode ser larga.
Lugares liminares evocam a ideia de outras dimensões, nas quais o explorador pode ser absorvido pela ideia do infinito — e pelo horror que acompanha essa noção. A perplexidade pode ser bem expressa pelo conceito de kenopsia, como foi descrito no “Dicionário das tristezas obscuras”, pode-se descrever tal palavra como “a atmosfera estranha e desolada de um lugar que normalmente estaria cheio de gente, mas agora está abandonado e silencioso — um corredor de escola à noite, um escritório sem luz num fim de semana, um parque de diversões vazio — uma pós-imagem emocional que o faz parecer não apenas vazio, mas hiper-vazio, com uma população total no negativo, tão conspicuamente ausente que reluzem como letreiros de néon”.
As back rooms são exatamente isso: um lugar onde existe apenas o eu e o ambiente. O mundo digital providenciou uma série de mitos, passados adiante como se fossem verdades, ou mesmo originados num contexto de brincadeira, mas posteriormente relegado ao esquecimento, quando então foram resgatados, fazendo com que passassem a ser tratados como tópicos misteriosos cuja veracidade pode ser debatida. O poder mítico das creepypastas é o de suscitar terror psicológico, criando uma teia de sensações cujo impacto não seria exagerado equiparar ao uso de drogas. Horas e horas seriam necessárias para ler todos os níveis e entidades criadas por esse nicho literário digital, e ainda assim não se teria absorvido toda a mitologia existente, pois ela está em constante expansão. O fato é que considerável número de pessoas expressam o deleite de mergulhar nessa ficção multidimensional.
Ainda na época mais jovem de escola, eu escutava os rapazes mais velhos falarem sobre os i-dosers, também denominados drogas digitais, frequências sonoras que despertariam efeitos diversos. Essas ondas binaurais possibilitariam sensações psicodélicas, relaxantes, estimulantes da inteligência e ampliadora do foco para estudos e meditações, tudo dependeria da frequência escolhida.
Assim como o fascínio da época com relação às frequências digitais, os backrooms são modelos narrativos que despertam sensações. Trata-se de uma ideia acessível de transcendência, por meio da ruptura com a realidade, mas em sintonia com uma moda que alega desprezar mitos. O explorador está sozinho e perdido, lutando pela sobrevivência. Ele vê um design, mas não vê um designer. Sente-se só mesmo quando outras pessoas alcançam os mesmos espaços, porque elas não podem ser vistas em um primeiro nível. É um conceito semelhante ao limbo ou purgatório, que desperta a curiosidade das pessoas.
O mundo pós-moderno alega ter superado mitos e ilusões — o que é falso, pois ao mesmo tempo cria novos mitos que permitem às pessoas mergulharem em um abismo fascinante, um mundo assombrado por demônios, que deveria ser desprezado como superstição, acabando por reafirmar a necessidade de mitos.
Pense em toda a desconstrução que os produtos culturais sofreram nas últimas décadas. Pinturas e esculturas com formas distorcidas; fezes de artista literalmente apresentadas como algo sublime; músicas que não passam de ruídos; arquitetura sem estética nem harmonia; a destruição empreendida contra a arte sacra e as catedrais. A falta de ordem e de sentido pode ser vista em toda parte — alcançando também o universo das creepypastas, onde pessoas vagam por espaços ocos, travando relações ou tentando se desviar de entidades que ocupam o lugar onde outrora havia anjos e demônios.
Um efeito semelhante pode ser observado em filmes e séries de viagens espaciais, que constroem mitos a partir da ciência e tentam fazer da ciência uma construção ficcional, o que foi objeto de denúncia por Nikola Tesla, uma das mentes mais brilhantes que a humanidade já concebeu.
Em resumo, as backrooms respondem a uma necessidade humana de criar mitos e, ao mesmo tempo, deixar-se absorver por eles. Uma forma niilista de transcendência por meio de experiências de horror, que levam as pessoas a se perderem em dimensões quase infinitas — a ponto de podermos citar Blaise Pascal, que disse:
“Quando considero a curta duração da minha vida, engolida por uma eternidade antes e depois, o pequeno espaço que ocupo engolfado na imensa infinitude de espaços dos quais nada sei e que nada sabem de mim, sou tomado de engano. O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora.”, conclui-se que é necessário retomar a ideia de infinito de alguma forma.
É claro que as pessoas não acreditam que as backrooms sejam algo real, mas é a possibilidade de torná-las críveis que as torna empolgantes, entretendo a imaginação das pessoas de uma forma alternativa aos conceitos predecessores, como a Divina Comédia de Dante ou os demônios da Goetia. Assim os oldschools possuíam suas creepypastas, os contemporâneos arranjaram as suas, adaptando-as às crenças e necessidades afetivas da época.
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